TEXTO DO APELO

Exmo Senhor Presidente da Câmara Municipal do Porto, 
Rui Moreira

Os subscritores, residentes e/ou eleitores no concelho do Porto ou residentes em concelhos da Área Metropolitana do Porto, apelam a Vossa Excelência no sentido de evitar a destruição de alguns solos na cidade que ainda conservam caraterísticas naturais pronunciadas em extensão significativa.

São em geral solos de antigas quintas agrícolas, hoje abandonadas, e onde por vezes existiram em tempos recentes, ou ainda existem, pequenas hortas de moradores próximos.

Solos a preservar - última oportunidade

Em geral, o  PDM de 2005-6 destinou-os à urbanização, alguns no âmbito de UOPG - Unidades Operativas de Planeamento e Gestão. Ora esse PDM está atualmente em revisão. Este é pois o momento - provavelmente o último - em que seria ainda possível salvaguardá-los e dar-lhes um destino que preservasse as suas caraterísticas naturais ou suscetíveis de renaturalização.

Quem quer que se preocupe em tornar o Porto uma cidade de elevada qualidade ambiental não poderá deixar de reconhecer, na inexistência ou não delimitação de REN (Reserva Ecológica Nacional) e de RAN (Reserva Agrícola Nacional) na cidade, o resultado de uma lamentável decisão ou omissão, que remonta ao início dos anos 1990, a qual dificulta um planeamento urbano capaz de conciliar harmoniosamente espaços construídos e espaços livres de construção.

A existência destes últimos é essencial quer em termos de saúde física quer em termos de saúde mental para os residentes habituais e constituiria para os que nos visitam um elemento suplementar de agrado e atração.

Preservar espaços para as próximas gerações

Algumas figuras de planeamento urbanístico atualmente existentes - como a estrutura ecológica fundamental, a salvaguarda do verde público e privado, por exemplo - permitem atenuar as perdas derivadas da ausência ou não delimitação de REN e RAN, mas o que parece estar a acontecer é uma opção demasiado minimalista ou uma omissão negligente. Se a cidade se limitar às práticas atuais e às condicionantes já integradas no PDM em vigor, nunca o Porto poderá ombrear com as cidades europeias que apresentam valores elevados de espaço verde público por habitante. Apelamos por isso a que o próximo PDM tenha a coragem de salvaguardar os mais vastos espaços livres ainda disponíveis, reservando-os para as gerações futuras. Será para isso necessário reverter algumas decisões contidas no PDM ainda em vigor - e é isso que exige coragem! Mas ela é exigida se se pretende praticar um urbanismo saudável, assumindo as suas melhores tradições, por forma a que a atual geração de decisores - provavelmente a última que o poderá fazer - esteja à altura do que merecem as próximas gerações de portuenses.

Propostas específicas de salvaguarda

A Campo Aberto, na sua campanha «50 espaços verdes em perigo, 50 espaços verdes a preservar», fez já propostas específicas para a salvaguarda desses espaços. Foram considerados nessa campanha como de salvaguarda urgente a Quinta da Bouça, Antigos terrenos agrícolas em Aldoar e Nevogilde e Quinta antiga perto da Prelada, além de outros. São esses provavelmente, no entanto, e em especial os dois últimos, os de maior extensão e potencialidades.

Além das propostas mencionadas (que podem ver-se no livro Espaços Verdes e Vivos - um futuro para a Área Metropolitana do Porto), apresentamos mais duas ideias em alternativa aos planos das respetivas UOPG que, a concretizar-se, seriam a liquidação desses espaços como livres e não impermeabilizados.

O paradigma Dahlem

Uma dessas antigas quintas poderia ficar reservada para a constituição de um centro de produção e de lazer à imagem do Domínio Dahlem, em Berlim, com as necessárias adaptações decorrentes das diferenças entre as duas cidades e culturas.

Embora a uma escala e ritmo decerto diferentes daqueles que proporcionam as urbanizações convencionais, este modelo poderia gerar fontes de receita permanentes com vista a um equilíbrio financeiro a longo prazo, mesmo não contabilizando monetariamente os benefícios da qualidade de vida para os portuenses e visitantes; poderia mesmo constituir um projeto de alcance metropolitano. Desse ângulo, o seu custo seria ainda mais justificado e mais compensadores os benefícios.

Outro exemplo interessante é a vontade recentemente expressa por alguns apoiantes da atual presidente da câmara Anne Hidalgo de tornar Paris Capital Agrícola. Trata-se de um projeto em fase de arranque. Mas pode encontrar-se inspiração numa iniciativa já em fase de implementação noutra grande capital europeia, Bruxelas. Seguir estes exemplos, longe de ser um anacronismo que nos envergonharia, seria colocar o Porto a par da linha da frente do pensamento urbanístico e territorial de hoje. Este modelo, havendo visão, lucidez e determinação, seria aplicável aos últimos grandes espaços verdes não urbanizados no Porto, nomeadamente em Nevogilde, Requesende e Campanhã.

Um bosque na cidade

O outro grande espaço referido, valorizado pelos recentes trabalhos de recuperação da Ribeira da Granja, poderia tornar-se num bosque e num arboreto. Algumas das zonas poderiam ser arborizadas com espécies autóctones diversificadas mas em pequeno número, outras zonas poderiam constituir um arboreto com maior número de espécies mas com um reduzido número de exemplares por espécie.

O arranjo paisagístico poderia criar pontos de repouso e convivência, embora numa perspetiva diferente da que existe no atual Parque Ocidental. Ou seja, por forma a criar um verdadeiro «bosque urbano», se bem que com recantos intimistas e dissuasores de uma utilização ruidosa ou tumultuada.

Senhor Presidente,

Seria muito fácil menosprezar esta proposta taxando-a de utópica, irrealista, impraticável ou excessivamente onerosa. Lembremos no entanto o que escreveu o grande expoente da civilização portuguesa moderna: «Deus quer, o Homem sonha, a obra nasce.» (Fernando Pessoa).

Esta é uma proposta com uma visão: embora cada ano e desde já deva contar para a sua concretização, deve ser vista num horizonte de pelo menos as duas próximas gerações. Tomar ou omitir decisões que a impossibilitem irreversivelmente seria o mais fácil. E não faltariam justificações aparentemente sensatas. O que aqui propomos, Senhor Presidente, é uma visão de longo alcance que enriqueceria o património da cidade por forma que deixaria a perder de vista em valor qualquer urbanização que, por melhor que fosse, seria igual a tantas outras.

Tem diante de si, Senhor Presidente, a possibilidade de colocar a primeira pedra desta visão, em sentido metafórico ou mesmo literal.

Com os melhores cumprimentos,

Os subscritores


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