CAMPANHàCASO ESPECIAL 

A freguesia de Campanhã, a mais extensa do Porto, foi, na época moderna, sacrificada  a estruturas pesadas, a começar, no século XIX, pelas ferrovias e, mais tarde, por vias rápidas, circunvalações, autoestradas e outras rodovias. Paradoxalmente, manteve-se em larga medida uma freguesia rural. Recentemente, fala-se muito da reabilitação da freguesia, do impulso ao seu desenvolvimento, e do combate à marginalização que a tem caraterizado em relação ao resto da cidade.

Alguns projetos, como o interface de diferentes meios de transporte cuja construção se iniciou em 2019, têm virtualidades positivas, de contrabalançar, retificar ou até certo ponto disfarçar e atenuar feridas antigas e barreiras arquitetónicas como as da zona ferroviária. No entanto, quanto ao resto, pode facilmente cair-se na tentação de reproduzir apenas os modelos que foram usados para a parte ocidental, em geral mais próspera. Ora o facto de certas zonas de Campanhã não estarem tão intensamente urbanizadas como em geral está o Porto deveria antes ser um ponto de partida para um modelo diferente, na linha da cidade-jardim ou da presença da agricultura na cidade em vez da sua erradicação (ver Paradigma Dahlem e Paris Capital Agrícola como exemplo de outras vias possíveis).

A presença de Campanhã nos espaços selecionados na nossa campanha 50 Espaços Verdes  a Preservar não é muito vasta, o que significa apenas que não houve propostas que propusessem e valorizassem esses aspetos de ruralidade ou não-urbanização e tivessem chamado a atenção para eles. A proposta incluída mais destacada é a do Parque Oriental, cuja área no entanto parece ter-se fixado num grau muito inferior ao da ambição inicial. Nos espaços não selecionados, foram propostos a Quinta da família Carneiro, o Monte do Forte e o Morro das Mimosas.

Em trabalho da Campo Aberto datado de 2006 e publicado em livro, Reflectir o Porto e a região metropolitana  do Porto, são dedicados seis artigos ao Parque Oriental, então ainda em esboço e já ameaçado de decisões que considerámos erradas  e que infelizmente vieram a concretizar-se. Nesses artigos albergam-se várias sugestões relativas a uma visão alternativa do desenvolvimento de Campanhã, que teriam no Parque Oriental um ponto de apoio forte. Não parece no entanto que esse caminho esteja a ser seguido. Mas ainda se está talvez a tempo. Hoje, no quadro de uma crise climática e ambiental de grande envergadura, que já ninguém pode pretextar desconhecer, nenhum decisor poderá em boa consciência limitar-se a aplicar as mesmas receitas de sempre, mais do mesmo, mais rodovias, mais urbanizações densas e de costas voltadas à ruralidade, mais impermeabilização intensa dos solos, mais artificialização e menos sensibilidade à qualidade de vida dos residentes. Espera-se antes a coragem de caminhar em direção bem diferente dessa e de resistir aos cantos de sereia dos que continuam a pensar as cidades com categorias mentais que já não estão à altura dos desafios de hoje.

Um parque semelhante ao célebre parque de Skansen, em Estocolmo (mas que teria que ser mais adequado à nossa dimensão, decerto), que configurasse um museu vivo etnográfico e etnológico  da riqueza antropológica e cultural do nosso país e/ou sobretudo da região do Porto e Norte, e que fosse ao mesmo tempo uma homenagem à escola etnográfica portuguesa de Jorge Dias, Fernando Galhano, Benjamim Pereira e outros, seria um poderoso atrativo para a freguesia. Nele poderia caber uma verdadeira escola de artes tradicionais, tanto no domínio da agricultura, como do artesanato, da indústria artesanal, das artes e ofícios, das artes decorativas, que já muitas pessoas e algumas aldeias, mas dispersamente, procuram preservar. Aqui encontrariam essas pessoas e comunidades um lugar de aproximação, interpenetração e aprendizagem comunitária numa tarefa de grande alcance para um futuro incerto, e onde muito do saber de vivência e sobrevivência que agora se está perdendo poderia vir a prestar grandes serviços às gerações futuras. Seria uma variante e complementar do Paradigma Dhalem que expomos noutra página.

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